Queimada Viva

Estive a ler este livro, para dizer a verdade "devorei" há muito que andava interessada em ler, por isso assim que pude li sem parar, devo dizer que esta história prendeu-me até à ultima palavra e deixou-me na curiosidade de saber como estão; se todos aqueles medos que Souad tinha passaram. COntudo deixo alguns exertos para perceberem a intensidade deste relato de uma tragédia que infelizmente continua acontecer.

"Sou uma rapariga e uma rapariga deve caminhar depressa, com a cabeça inclinada para o chão, como se estivesse a contar os passos. Não deve erguer o olhar nem desviá-lo para a direita ou para a esquerda enquanto caminha, porque se os seus olhos se cruzarem com os de um homem toda a aldeia a chamará de charmuta (puta). (pg 7)

Na minha aldeia nascer rapariga é uma maldição. O único sonho de liberdade é o casamento. Abandonar a casa do pai em troca da casa do marido e não voltar nunca mais, mesmo que seja espancada. Quando uma rapariga casada regressa à casa do pai é uma infâmia. Não deve pedir protecção fora da sua própria casa e é dever da família levá-la de novo para o lar. (pg 8)

Suportarei o pior só para ter a liberdade, por que tanto anseio, de transpor sozinha esta porta e ir comprar pão! (pg 9)

Nasci numa aldeia minúscula. Disseram-me que ficava algures num território jordano, depois transjordano, mais tarde cisjordano, mas como não frequentei a escola não sei nada da história do meu país. Também me disseram que nasci lá para 1958 ou em 1957... Por isso, tenho hoje cerca de quarenta e cinco anos. Há vinte e cinco anos só falava árabe, nunca me tinha afastado da minha aldeia mais de uns poucos quilómetros da última casa, sabia que havia cidades mais distantes sem nunca as ter visto. Não sabia se a Terra era redonda ou plana, não fazia a menos ideia do mundo! Sabia que tínhamos de detestar os judeus que se tinham apoderado da terra, o meu pai chamava-lhes "porcos". Não devíamos aproximar-nos deles, falar com eles nem tocar-lhes sob pena de nos tornarmos porcos como eles. Devia fazer as minhas orações pelo menos duas vezes ao dia, recitava como a minha mãe e as minhas irmãs, mas só soube da existência do Corão muitos anos mais tarde, na Europa. O meu único irmão, o rei da casa, frequentava a escola, mas as raparigas não. Nascer rapariga na minha terra é uma maldição. Uma esposa deve antes de mais fazer um filho, pelo menos um, e se só tiver raparigas, fazem troça dela. Bastam duas ou três raparigas, fazem troça dela. Bastam duas ou três raparigas no máximo para as lidas da casa, para tratarem da terra e do gado. Se vierem mais, é uma grande desgraça de que convém, desembararçar-se o mais depressa possível. Aprendi muito depressa como é que se desebaraçam delas. Vivi assim mais ou menos até à idade dos dezassete anos, sem saber outra coisa para além de que, pelo facto de ser uma rapariga, era menos do que um animal. [...] Permite-me agora testumunhar em nome de todas as que não tiveram essa oportunidade, que continuam a morrer nos dias de hoje por uma única razão: serem mulheres. (pg 11 e 12)


A lei dos homens era assim naquela aldeia. As raparigas e as mulheres eram com toda a certeza espancadas todos os dias nas outras casas. Ouvíamos gritos aqui e ali, por isso era normal ser espancada ter os cabelos rapados e ficar presa a uma estaca no estábulo. Não havia outra forma de vida. (pg 17)

Aquelas meninas que a minha mãe matava eram um pouco eu própria. [...] A morte de um animal, como a morte de um bébé, tão simples e banal para os meus pais, desencadeava o pavor de eu também desaparecer como eles, com a mesma simplicidade e rapidez. [...] Já que nos dão a vida, têm o direito de a fazer desaparecer. (pg 21)

Uma vaca ou um carneiro valem mais do do que uma rapariga. (pg 23)

É muito difícil abandonar essa pele de escrava consentida, porque se nasce com ela quando se é rapariga e, durante todo infância, essa forma de não-existência, de obedecer ao homem e à sua lei, é cultivada ininterruptamente, pelo o pai, pela mãe, pelo irmão, e a única saída, que consiste em casar, vai perpetuá-la com o marido. pg 48

É uma coisa curiosa o destino das mulheres árabes, pelo menos na minha aldeia. Aceitam-no naturalmente. Nem nos passa pela cabeça revoltarmo-nos nunca.

Estou consciente de que arrisco a vida por causa desta história de amor que começa há perto de vinte cinco anos, na minha aldeia natal na Cisjordânia. Uma aldeia minúscula, então em território ocupado pelos israelitas, e cujo o nome ainda não posso dizer. Porque continuo a pôr em perigo a minha vida, mesmo a milhares de quilómetros de distância. Na minha terra estou oficialmente morta, a minha existência foi olvidade desde há muito, mas se lá voltasse hoje matar-me-iam uma segunda vez para salvar a honra da minha família. É o direito tradicional. (pg 67)

Alguns passageiros queixam-se do Cheiro, apesar das cortinas corridas à volta. Desde o dia da minha primeira visita a Souad, naquela sala de desterro e de morte, passaram dois meses. Cada centímetro de pele do busto e dos braços está descomposta numa vasta chaga purulenta. Bem podem os passageiros apertar o nariz e dirigir à hospedeira careta enojadas que eu não ligo.Trago comigo uma mulher queimada e o seu bebé, e um dia irão saber porquê. Saberão também que há outras, que já morreram ou vão morrer, em todos os países onde a lei dos homens instituiu o crime de honra. Na Cisjordânia, mas também na jordânia, na Turquia, no Irão, no Iraque, no Iémen, na Índia, no Paquistão e mesmo em Israel, e até na Europa. Ficarão a saber que as raras sobreviventes são obrigadas a permanecer escondidas o resto da vida, para que os seus assassinos não as encontrem não importa onde, por esse mundo fora. Porque ainda conseguem fazê-lo. Ficarão a saber que a maior parte das associações humanitárias não as tomam a seu cargo porque essas mulheres constituem casos sociais individuais, "culturais"!E nalguns países as leis protegem os assassinos. (pg 129)

2 comentários:

Sandra C. disse...

Olá! Já li esse livro e é de facto impressionante. Ouve partes do livro em que ia nos transportes públicos e que foi muito dificil controlar as lágrimas.
Como é possivél que se façam coisas tão crueis, como é possivél que os homens tenham mentes tão perversas (digo homems=sociedade), como é possivél que os fanatismos levem as extremos que não levam a lugar nenhum.
Beijinhos e obrigado pela referência ao meu Blog.
Sandra

amorajita disse...

é verdade!! coisas horriveis ainda acontecem!! e pelos vistos pouco se tem pode fazer!! o fanatismo estupido leva a loucuras impensaveis!!
obrigada pelo o comments

beijinhos